Umberto Eco dizia que toda a produção artística é uma “Obra Aberta”. Nesse sentido compete ao “observador” interpretar aquilo que o artista produz. A intenção do artista é uma, mas o poder absoluto da interpretação é do “observador”. O maior peso não está em quem faz a obra mas em quem a vê. Façamos então uma interpretação (muito pessoal) da exposição “Vidraças do Tempo”. Estamos perante uma sequência de quadros expostos, nem sempre de temática ou pintura uniforme mas onde se pode reconhecer técnica e sensibilidade artística. Quadros dispares mas por onde passa uma temática dominante… A contemplação do tempo, isto é, aquilo que no universo permite falar de princípio e fim. É verdade que o tempo do homem nada tem a ver com o tempo do universo…mas é o tempo de cada um, de cada ser que faz o sentido da vida. O homem concreto precisa de se situar, de se enquadrar, de se posicionar no período entre o nascer e o morrer, chamado Vida. No tempo fica contemplado, arquivado e memorizado o suceder de acontecimentos, vivências e experiencias que fazem de cada homem aquilo que é…idiossincrasia. A dominante da exposição são as Janelas. É através das janelas que se observa o mundo. Para este pintor, em particular (que as pinta vendo-se a paisagem externa), parece existir uma imensa necessidade de ver o mundo, uma ânsia de vivências no mundo que contrasta com “a sua profissão”. Diz, o próprio, num texto da exposição – “as pinturas resultam como um refúgio” A janela permite ver a luz, a vida da natureza e a dos humanos e faz com que possamos pensar que “existe mais mundo para além do nosso próprio mundo”. Dá-nos a liberdade de pensar na ausência de limites nos horizontes da vida. Há, na subtileza desta pintura de janelas vistas de dentro para fora (para o mundo), o desejo de ultrapassar barreiras que contrasta com a contenção comportamental de quem “cumpre” um dever profissional em que o cumprimento de regras é o quotidiano. A Janela. O desejo de sair da “clausura “, “fechado em casa” : - Verifica-se nos vidros partidos (que o tempo destruiu) - Verifica-se na natureza a invadir o espaço interno (cena do caracol a entrar pelo vidro). - Verifica-se na criança que do lado de fora, num gesto cândido, quase diz, vem brincar comigo. Todas as janelas deixam ver a “rua” esse local idílico onde se vive a liberdade. O autor diz que a sua pintura tem laivos de surrealismo (segundo os surrealistas, “a arte deve libertar-se das exigências da lógica e da razão e ir além da consciência quotidiana, procurando expressar o mundo do inconsciente e dos sonhos"). Terá este conceito de surrealismo alguma afinidade com o autor desta exposição? Aparentemente a sua formalidade convival não se coaduna muito com esta definição. "Os surrealistas a chamada ditadura da razão e os valores burgueses como pátria, família, religião, trabalho e honra. Humor, sonho e a contra lógica são recursos a serem utilizados para libertar o homem da existência utilitária. Segundo esta nova ordem, as ideias de bom gosto e decoro, devem ser subvertidas". Terá isto a ver com a lógica de vida (artística) do autor?...digamos que muito lateralmente. Bem então como enquadra-lo? Diz o próprio, num texto da exposição, que nas suas pinturas "imperam a beleza da cor e da forma". A cor - "A relação formal entre as massas coloridas presentes numa obra constitui a sua estrutura básica, guiando o olhar do espetador e propondo-lhe sensações de calor, frio, profundidade, sombra, entre outros. Estas relações estão implícitas na maior parte das obras de Arte e a sua explicitação foi uma bandeira dos pintores abstratos ou não figurativos. A cor é considerada por muitos artistas como a base da imagem” Encaixa o autor nesta definição? Acho que não. A forma - "o formalismo é a crença em que os valores estéticos podem, sustentar-se por si mesmos e que o juízo da arte pode ser isolado de outras considerações tais como as éticas e sociais". "Formalismo inclui obras de diferentes tendências e trabalha o conceito do olhar e o resultado da experiência visual e estética. Sua característica fundamental é a austeridade, que possa além dos valores geométricos, combinando a forma e o conteúdo. Suas obras têm um ar tecnológico e impessoal, sem a presença marcante da mão do artista". Encaixa o autor nesta definição? Acho que não. Onde podemos então situar o artista? Na vontade de ultrapassar, através da pintura, a rédeas do quotidiano que limitam a sua liberdade. Bem-vindo ao clube dos que, não tendo a coragem de gritar “sou livre” vai gritando suavemente o mesmo, na pintura produzida. Está de PARABÉNS Continue…é um oásis no meio do deserto duma corporação sem sentido estético. Com os melhores cumprimentos Manuel João Rodrigues Adjunto/Substituto da Diretora Administração e Apoio Geral